segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Reconstruções Fernandes

"Reconstruções Fernandes" uma empresa da construção civil em expansão no concelho de Miranda do Douro que tem como especialização trabalhos em pedra, envernizamentos, telhados e pinturas.




Contactos: 934975991 e 964533929

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Construtores de Gaitas de Foles

José Joaquim Martins Preto nasceu em Freixenosa, a 25-06-1966, é professor de História no ensino Secundário. A forma como decorreu a sua aprendizagem na arte de construir as gaitas de foles em Freixenosa, foi mais ou menos idêntica à de Alexandre Feio como músico. É auto-didacta, mas também recebeu ensinamentos e concelhos dos mais experientes construtores. Passo agora a citar na primeira pessoa, partes do seu trajecto na qualidade de construtor de gaitas de foles:

“Ainda criança acompanhei nos bailes, festas da aldeia e de um modo geral festejos públicos de carácter popular tradicional e cerimónias religiosas com o toque da gaita-de-foles. Um vizinho meu que era construtor: o Tiu Luís Rodrigues de quem me recordo desde a minha infância, e com quem ia ter nos meus tempos livres. Onde ficava a observa-lo enquanto ele se entregava à construção e afinação das suas fraitas (flautas pastorís) e gaitas de foles. Isto despertou em mim desde muito cedo a vontade e a coragem, para fazer gaitas de foles.

Aos 15 anos construí a primeira ponteira. O Tíu Luís Rodrigues facultou-me algumas ferramentas e certos ensinamentos, o que me motivou ainda mais para a construção da primeira ponteira. O problema surgiu posteriormente ao necessitar da palheta, recorri ao gaiteiro Alexandre Feio, que também era meu vizinho, com o intuito de ele me mostrar e facultar uma palheta. Vendo a minha obra, aprovou a construção da ponteira. Depois de lhe colocar a palheta e percorrer a escala, com a sua dedilhação elogiou-me, muito admirado com a obra, e de seguida perguntou-me: - i fuoste tu que la faziste? rematando seguidamente: -só tem um buraco que num stá mui bien, mas deixa-la que you te la purparo, com esta observação do mestre gaiteiro e de grandes ligações que havia entre as nossas famílias o meu entusiasmo cresceu.

Posteriormente com 27 anos quando concluí a licenciatura em História, regressei à minha terra, para exercer a minha profissão. Nesse período dediquei-me ao estudo das gaitas de foles tradicionais no Planalto Mirandês, retomei a tarefa, de construção, efectuando um trabalho de investigação e recolha a partir de fontes etnográficas do museu da Terra de Miranda, em Miranda do Douro. O Dr. Mourinho que na altura era o director do museu, facultou-me os instrumentos para eu efectuar as respectivas medições. Também estudei outros instrumentos dispersos pelo planalto mirandês, aos quais foram realizados estudos e retiradas medidas milimétricas, cópias e comparações de vários instrumentos.

No desenrolar deste estudo, envolvi alguns amigos que sabiam do meu entusiasmo, interesse e que me apoiaram, como o Tiu Manuel Paulo Martins de Vale de Mira (gaiteiro e construtor) ao qual agradeço o contributo, por me ter emprestado a primeira gaita-de-foles para reproduzir e demonstrou sempre grande empenho em transmitir e divulgar o que sabia fazer e tocar. Desta forma criamos uma grande amizade, quando ele construía uma gaita, era eu que lhe curtia as peles.

Seguindo o modelo autodidacta, comecei a construir o primeiro exemplar de gaita-de-foles na linha de construção tradicional, tendo realizados estudos e feitas cópias de vários modelos e comparações de diversos instrumentos tradicionais”.

Será importante assinalar que actualmente um número significativo de gaiteiros mirandeses utilizam instrumentos construídos por José Preto a saber: Abílio Topa, Henrique Fernandes ( Lenga-Lenga), Paulo Meirinhos e Paulo Preto ( Galandum Galundaina), o grupo Arco do Bojo. O Museu Internacional de Cornamusas da Escola Provincial de Gaitas da deputacion de Ourense, na Galiza em Espanha, adquiriu um exemplar deste construtor, onde o tem em exposição, como um exemplar da gaita de Trás-os-Montes.

Cantadeiras e cantigas de Freixenosa

Na Terra de Miranda, as aldeias constituem uma unidade cultural com particularidades específicas, que as tornam peculiares e com identidade própria. A cultura oral deve a sua continuidade a determinados agentes culturais que são os depositários dessa mesma tradição. Esses agentes, são pessoas cujo ouvido musical e cuja memória lhes permitiram assimilar, conservar, e transmitir esse património.

As transcrições dos lhaços que aqui se apresentam são baseadas em registos sonoros feitos a Alexandre Feio e Clementina Rosa Afonso e são os seguintes: Balantina, Acto de Contrição, Palombitas, Padre Antonho, Carrascal de Barbadilha, Belhano de Çamora, Oufícios, Pica-me ua china, La lhiebre, e Calhes de Roma. Os registos sonoros dos três últimos lhaços não estão editados, quanto aos restantes os de Alexandre Feio encontram-se no disco “ Folclore Português, Trás-os-montes e Alto Douro, Grupo folclórico de Duas Igrejas” da Editora Movieplay, editado em 1996. Os de Clementina Rosa Afonso, no disco”Modas, lhaços e Rimances” editado em 1998 pela Editora Sons da Terra.

- Alexandre Feio
Alexandre Feio, (21-08-1914/27-03-1999), natural de Freixenosa, era já moço quando o Tiu Pepe faleceu. Terá aprendido dele a arte de tocar a gaita-de-foles. Alexandre Feio, pastor e músico de profissão, tocava nas festas e no Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas, com o qual percorreu vários continentes e ganhou muitos prémios nacionais e internacionais. Pode considerar-se, que foi ele quem mais divulgou a nível mundial a gaita-de-foles mirandesa, sendo considerado um virtuoso neste instrumento. O seu estilo interpretativo é tecnicamente elevado, fazendo um brilhante uso das ornamentações, o que lhe conferem um carácter muito próprio.

- Clementina Rosa Afonso
Clementina Rosa Afonso (5-11-1929), também natural de Freixenosa, agricultora e cantadeira, das de maior nomeada na tradição mirandesa, é bisneta do Tiu Pepe. Herdou da sua mãe e do seu bisavô um valioso património de cultura oral que inclui orações, contos, adágios, provérbios, rezas para curar pessoas e animais, receitas de cozinha e medicina tradicional e claro, canções de vários géneros, lhaços, modas de baile, rimances, jogos de roda (canções lúdicas infantis), modas dos serões e fiadouros, modas da igreja, de teatro e de rua. Tem colaborado em várias publicações, reportagens e investigações sobre a cultura mirandesa.

-Os lhaços

Na língua mirandesa designa-se por lhaço, a música, texto e coreografia que constituem os elementos artísticos da dança dos paus. Da mesma forma o bailarino chama-se dançador e não pauliteiro, à dança dos pauliteiros simplesmente la dança.

A principal razão que assegurou a continuidade da dança há pelo menos 5 séculos, foi a celebração da Festa de Santa Bárbara, no primeiro domingo de Setembro, depois das colheitas do cereal. A função dos dançadores era fazer o peditório, a procissão e actuações no terreiro. Todos os anos eram incluídos na dança rapazes adolescentes, num espírito de iniciação, continuidade e manutenção da tradição.

Antes de integrar a dança os moços passavam por uma selecção dos mais hábeis existentes na povoação. Depois iniciavam a fase de aprendizagem para dançador. Em primeiro lugar o moço tinha que saber a canção do lhaço, pois isso ajudava-o a identificar os lhaços, a compreender e memorizar a coreografia dos mesmos.

Depois aprendiam a picar o pau, esta actividade consiste em bater com os paus um no outro, e de seguida treinava os golpes com um colega. Existem várias posições de bater os paus: pau picado por baixo, pau picado por cima, o pau simples em cima e em baixo, os paus em cruz e o pau de corrida. Nesta fase também aprendia os passes da dança e a tocar as castanholas.

Por último era integrado na dança juntamente com os que já sabiam sempre sobre a orientação do ensaiador, que cantava os lhaços, enquanto ia posicionando e corrigindo os dançadores. Os ensaios para a festa de Santa Bárbara começavam pelo menos um mês antes da data. Segundo me contou a senhora Clementina Rosa Afonso, aos dias de semana treinavam à noite, na rua, à luz da candeia ou do lampião, na presença de outras pessoas que realizavam outras tarefas tradicionais (fiar, cardar, (carbenar), descascar feijões etc). Aos Domingos ensaiavam pela hora do meio-dia, à sombra de uns imponentes olmos que lhes emprestavam um pouco da sua frescura.

Balantina
Para aprender este lhaço,
Tebimos que andar a scola.
Pur causa de la balantina,
Que nun mos quier dar la esmola.
Por isso ye que nós andámos,
A ber se la colhemos cá.
A ber se mostra sou briho,
Haber la esmola que dá.
Yá la puôde dar que ganhada stá,
Que ganhada stá.

Acto de Contrição
Jasús Cristo Dios mío,
De que es hombre berdadero,
Criador i salbador de l cielo i tierra.
Nós Amen
I a nosotros nós também
I a nosotros nós também
Pésame-me Senhor de todo el coraçón,
Ajoelhando an tierra.
Perdonai-nos Dios mío,
Alcançando la glória eitierna,
Gloria eitierna.

Palombitas
Palombitas palombitas,
Palombitas, Madre son.
Yá no son palombas Madre,
Las qu´ andában la misson,
Las qu´ andában la misson.

Padre António
El Padre Antonho era un hombre,
Honrado i prudente.
Que mantenia su casa,
Con el suor de su frente.
Que tenia un huerto,
Que tenia un huerto,
Onde recogía la fruta,
Del campo qu´el tiempo traía.

Carrascal de Barbadilha
Carrascal de Barbadilha,
Las torres del Salinar(i).
El pastor destas oubeilhas,
De balde nun há-de andar,
Nun há-de andar.
Arriba, arriba pastor(e)!...
Que me guardas al miu ganao,
Nun te pago la soldada,
Por andares de namorao de namorao.


Bilhano de Çamora
L Belhano de Çamora,
Que le dan pan pu cebolha.
L Belhano que le dan?
Cebolhetas coro i pan,
Coro i pan.

Oufícios
Pa aprender ls ouficios,
Que me mantenga senhor.
Carpinteiro i barbeiro,
Alfaiate i serrador.
Taran-tan-tan, taran-tan-tan,
Ta-tan-taran-tan-tan-tan,
Taran-tan-tan-tan.

Pica-me ua china
Pica-me ua china,
Neste carcanhal.
Pica-me ua china,
I nun puodo andar,
I nun puodo andar.


La lhiebre
Por aqueilha canhadica arriba,
Iba ua lhiebre correndo,
Tu l´aliterste,
I you l´atirei.
Nin tu la mateste,
Nin you la matei.

Calhes de Roma
Por las calhes de Roma,
Mirai bien como ando,
Solita i sola,
Bou pelegrinando.
Taran-tan-tan, taran-tan-tan,
Ta-tan-taran-tan-tan-tan,
Taran-tan-tan-tan.

2]Lhaços de Freixenosa
Livros Editora, colecção L Filo de la lhengua.

Gaiteiros de Freixenosa

Freixenosa, aldeia do concelho de Miranda do Douro, é sem dúvida um óptimo exemplo de “aldeia escola”,(motivações e os saberes são veiculados através da oralidade, de geração em geração dentro da comunidade, num contexto de educação informal) principalmente no que toca à prática da gaita-de-foles 1.

Num seguimento ininterrupto, cujo início seria difícil determinar de tão antigo que poderá ser, Freixenosa tem tido sempre os seus gaiteiros nativos. Os dados existentes permitem afirmar, que há pelo menos três gerações seguidas, em que isso acontece. Num período histórico que vai dos fins do século XIX, passando por todo o século XX, e avançando para o século XXI. Enumero aqui, só três gaiteiros, por serem os mais representativos de cada geração:

Começando pelo mais antigo, que era Manuel José Lopes, o lendário “Tiu Pepe” (185?/1924), foi o primeiro gaiteiro de Freixenosa e da Terra de Miranda que tocou em Lisboa, no Coliseu dos Recreios, isto no dia 28 de Maio de 1898, na presença da rainha D. Amélia. Era um dos mais influentes gaiteiros daquela altura. Que depois de ter ir tocado a Lisboa em 28 de Maio de 1898, ao Coliseu de Lisboa, na presença da Rainha D. Amélia, se tornou um ícone lendário da cultura mirandesa. Era gaiteiro, tocador de flauta pastoril, ensaiador dos pauliteiros e também ensaiador de teatro popular, faleceu em 8 de Dezembro de 1924.

Depois Alexandre Feio (21-8-1914 / 27- 3-1999), dos três o que mais viajou, na qualidade de músico, exibindo a sua arte em países de vários continentes. Foram-lhe atribuídos por várias entidades, prémios pela sua notável interpretação da gaita-de-foles mirandesa.
Por fim, Ângelo Arribas (15-5-1939), ainda em actividade e com um trabalho significativo, na divulgação da gaita mirandesa. Toca em festas e colabora com investigadores da música tradicional mirandesa. Também se dedica ao ensino da gaita-de-foles.
A continuidade da tradição de Freixenosa, como terra de gaiteiros e construtores ainda mantém no presente.

1]Para um melhor esclarecimento do conceito de “aldeia escola”, ver in: TOPA, Abílio, (2006). «As aldeias como escolas de cultura no concelho de Miranda do Douro», Tierra de Miranda, Revista do Centro de Estudos António Maria Mourinho, 61-64.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Introdução à aldeia de Freixiosa

Em freixenosa o contraste entre o planalto mirandês e as abruptas arribas do Douro internacional, é mais visível e acentuado, do que nas outras aldeias por onde o rio passa, no concelho de Miranda do Douro. Depois de entrar no território de Freixenosa ainda no planalto, quando chegamos ao início da povoação, deparamo-nos com capela de Santa Bárbara, tendo por perto um marco topográfico (sinal de local com elevação significativa), e como panorama de fundo, vemos as terras de Bermillo de Sayago a perder de vista.

Seguindo sempre a pique pela rua principal, temos a sensação de mergulhar num ambiente completamente diferente do anterior, é como se descemos verticalmente dentro da terra, numa gigantesca e profunda ravina, envolta de uma paisagem deslumbrante de fragas, arvoredo e vida selvagem, onde no fundo, bem lá no fundo corre num dos seus lances mais estreitos, o sinuoso rio Douro.

Lugar de tradições antigas que vêm de tempos tão remotos, que só o próprio tempo saberia contar, em Freixenosa também se mergulha num passado, cuja riqueza o faz manter vivo e influente no presente. Os contributos artísticos na prática e divulgação da música tradicional mirandesa, assim como a cooperação com as ciências musicais, de várias pessoas naturais de Freixenosa ligadas à música tradicional mirandesa, principalmente à gaita-de-foles, têm constituído um património artístico e objecto de estudo, cuja referência é incontornável na música tradicional mirandesa e como consequente da portuguesa. Esses artistas são: os gaiteiros Tiu Pepe (Manuel José Lopes), Alexandre Feio e Ângelo Arribas, o construtor de gaitas de foles José Preto e a cantadeira Clementina Rosa Afonso.

Embora muito desertificada e com algumas casas e palheiros velhos em ruínas, Freixenosa no seu núcleo habitacional, ainda mantém o traçado urbanístico próprio da arquitectura tradicional que desde há séculos foi adoptado nesta zona. O que lhe confere um certo carácter pitoresco genuinamente mirandês.