terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Cantadeiras e cantigas de Freixenosa

Na Terra de Miranda, as aldeias constituem uma unidade cultural com particularidades específicas, que as tornam peculiares e com identidade própria. A cultura oral deve a sua continuidade a determinados agentes culturais que são os depositários dessa mesma tradição. Esses agentes, são pessoas cujo ouvido musical e cuja memória lhes permitiram assimilar, conservar, e transmitir esse património.

As transcrições dos lhaços que aqui se apresentam são baseadas em registos sonoros feitos a Alexandre Feio e Clementina Rosa Afonso e são os seguintes: Balantina, Acto de Contrição, Palombitas, Padre Antonho, Carrascal de Barbadilha, Belhano de Çamora, Oufícios, Pica-me ua china, La lhiebre, e Calhes de Roma. Os registos sonoros dos três últimos lhaços não estão editados, quanto aos restantes os de Alexandre Feio encontram-se no disco “ Folclore Português, Trás-os-montes e Alto Douro, Grupo folclórico de Duas Igrejas” da Editora Movieplay, editado em 1996. Os de Clementina Rosa Afonso, no disco”Modas, lhaços e Rimances” editado em 1998 pela Editora Sons da Terra.

- Alexandre Feio
Alexandre Feio, (21-08-1914/27-03-1999), natural de Freixenosa, era já moço quando o Tiu Pepe faleceu. Terá aprendido dele a arte de tocar a gaita-de-foles. Alexandre Feio, pastor e músico de profissão, tocava nas festas e no Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas, com o qual percorreu vários continentes e ganhou muitos prémios nacionais e internacionais. Pode considerar-se, que foi ele quem mais divulgou a nível mundial a gaita-de-foles mirandesa, sendo considerado um virtuoso neste instrumento. O seu estilo interpretativo é tecnicamente elevado, fazendo um brilhante uso das ornamentações, o que lhe conferem um carácter muito próprio.

- Clementina Rosa Afonso
Clementina Rosa Afonso (5-11-1929), também natural de Freixenosa, agricultora e cantadeira, das de maior nomeada na tradição mirandesa, é bisneta do Tiu Pepe. Herdou da sua mãe e do seu bisavô um valioso património de cultura oral que inclui orações, contos, adágios, provérbios, rezas para curar pessoas e animais, receitas de cozinha e medicina tradicional e claro, canções de vários géneros, lhaços, modas de baile, rimances, jogos de roda (canções lúdicas infantis), modas dos serões e fiadouros, modas da igreja, de teatro e de rua. Tem colaborado em várias publicações, reportagens e investigações sobre a cultura mirandesa.

-Os lhaços

Na língua mirandesa designa-se por lhaço, a música, texto e coreografia que constituem os elementos artísticos da dança dos paus. Da mesma forma o bailarino chama-se dançador e não pauliteiro, à dança dos pauliteiros simplesmente la dança.

A principal razão que assegurou a continuidade da dança há pelo menos 5 séculos, foi a celebração da Festa de Santa Bárbara, no primeiro domingo de Setembro, depois das colheitas do cereal. A função dos dançadores era fazer o peditório, a procissão e actuações no terreiro. Todos os anos eram incluídos na dança rapazes adolescentes, num espírito de iniciação, continuidade e manutenção da tradição.

Antes de integrar a dança os moços passavam por uma selecção dos mais hábeis existentes na povoação. Depois iniciavam a fase de aprendizagem para dançador. Em primeiro lugar o moço tinha que saber a canção do lhaço, pois isso ajudava-o a identificar os lhaços, a compreender e memorizar a coreografia dos mesmos.

Depois aprendiam a picar o pau, esta actividade consiste em bater com os paus um no outro, e de seguida treinava os golpes com um colega. Existem várias posições de bater os paus: pau picado por baixo, pau picado por cima, o pau simples em cima e em baixo, os paus em cruz e o pau de corrida. Nesta fase também aprendia os passes da dança e a tocar as castanholas.

Por último era integrado na dança juntamente com os que já sabiam sempre sobre a orientação do ensaiador, que cantava os lhaços, enquanto ia posicionando e corrigindo os dançadores. Os ensaios para a festa de Santa Bárbara começavam pelo menos um mês antes da data. Segundo me contou a senhora Clementina Rosa Afonso, aos dias de semana treinavam à noite, na rua, à luz da candeia ou do lampião, na presença de outras pessoas que realizavam outras tarefas tradicionais (fiar, cardar, (carbenar), descascar feijões etc). Aos Domingos ensaiavam pela hora do meio-dia, à sombra de uns imponentes olmos que lhes emprestavam um pouco da sua frescura.

Balantina
Para aprender este lhaço,
Tebimos que andar a scola.
Pur causa de la balantina,
Que nun mos quier dar la esmola.
Por isso ye que nós andámos,
A ber se la colhemos cá.
A ber se mostra sou briho,
Haber la esmola que dá.
Yá la puôde dar que ganhada stá,
Que ganhada stá.

Acto de Contrição
Jasús Cristo Dios mío,
De que es hombre berdadero,
Criador i salbador de l cielo i tierra.
Nós Amen
I a nosotros nós também
I a nosotros nós também
Pésame-me Senhor de todo el coraçón,
Ajoelhando an tierra.
Perdonai-nos Dios mío,
Alcançando la glória eitierna,
Gloria eitierna.

Palombitas
Palombitas palombitas,
Palombitas, Madre son.
Yá no son palombas Madre,
Las qu´ andában la misson,
Las qu´ andában la misson.

Padre António
El Padre Antonho era un hombre,
Honrado i prudente.
Que mantenia su casa,
Con el suor de su frente.
Que tenia un huerto,
Que tenia un huerto,
Onde recogía la fruta,
Del campo qu´el tiempo traía.

Carrascal de Barbadilha
Carrascal de Barbadilha,
Las torres del Salinar(i).
El pastor destas oubeilhas,
De balde nun há-de andar,
Nun há-de andar.
Arriba, arriba pastor(e)!...
Que me guardas al miu ganao,
Nun te pago la soldada,
Por andares de namorao de namorao.


Bilhano de Çamora
L Belhano de Çamora,
Que le dan pan pu cebolha.
L Belhano que le dan?
Cebolhetas coro i pan,
Coro i pan.

Oufícios
Pa aprender ls ouficios,
Que me mantenga senhor.
Carpinteiro i barbeiro,
Alfaiate i serrador.
Taran-tan-tan, taran-tan-tan,
Ta-tan-taran-tan-tan-tan,
Taran-tan-tan-tan.

Pica-me ua china
Pica-me ua china,
Neste carcanhal.
Pica-me ua china,
I nun puodo andar,
I nun puodo andar.


La lhiebre
Por aqueilha canhadica arriba,
Iba ua lhiebre correndo,
Tu l´aliterste,
I you l´atirei.
Nin tu la mateste,
Nin you la matei.

Calhes de Roma
Por las calhes de Roma,
Mirai bien como ando,
Solita i sola,
Bou pelegrinando.
Taran-tan-tan, taran-tan-tan,
Ta-tan-taran-tan-tan-tan,
Taran-tan-tan-tan.

2]Lhaços de Freixenosa
Livros Editora, colecção L Filo de la lhengua.

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